A inteligência artificial (IA) generativa tem transformado significativamente o panorama da criação artística e intelectual. Com algoritmos capazes de produzir textos, imagens, músicas e vídeos, surge um questionamento fundamental: quem detém os direitos autorais dessas obras? No Brasil, a legislação vigente, especialmente a Lei nº 9.610/1998, ainda não oferece respostas claras para essa nova realidade.​

A IA generativa opera por meio de modelos de aprendizado de máquina. Esse aprendizado simula redes neurais, que são treinadas com muitos conjuntos de dados. A ideia é a identificação de padrões e estruturas. A partir disso, os modelos são capazes de gerar novos conteúdos (observados os padrões anteriores – justamente os de treinamento). Embora inspirados nos dados originais, o conteúdo produzido é, ao menos em tese, inédito. Essa característica distingue a produção da IA do plágio tradicional, pois o conteúdo gerado é, em tese, original e não uma reprodução não autorizada de obras existentes.​

Lei de Direitos Autorais brasileira define o autor como a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica. Essa definição exclui, portanto, criações produzidas exclusivamente por sistemas de IA, uma vez que estes não possuem personalidade jurídica. Assim, obras geradas autonomamente por IA tendem a ser consideradas de domínio público, salvo quando há intervenção humana significativa no processo criativo.​

A distinção entre o uso instrumental da IA e a criação autônoma é crucial. Quando a IA é utilizada como ferramenta auxiliar, com direcionamento e curadoria humana, a autoria pode ser atribuída ao indivíduo que orientou o processo, revisou cada etapa da produção e lapidou o conteúdo final. Por outro lado, se a obra é resultado exclusivo do algoritmo, sem contribuição humana direta, a proteção autoral torna-se questionável.​

A ausência de regulamentação específica para obras geradas por IA no Brasil tem gerado debates e iniciativas legislativas. O Projeto de Lei nº 2.338/2023, em tramitação no Senado, busca estabelecer um marco legal para o uso da inteligência artificial no país. Embora o projeto aborde aspectos relacionados à IA, ainda não define claramente a titularidade das obras criadas por esses sistemas.​

Internacionalmente, diferentes abordagens têm sido adotadas. Nos Estados Unidos, por exemplo, decisões judiciais têm negado a concessão de direitos autorais a obras produzidas exclusivamente por IA, reforçando a necessidade de autoria humana. Na União Europeia, o AI Act propõe regras de transparência e licenciamento para o uso de obras protegidas no treinamento de sistemas de IA, buscando equilibrar inovação tecnológica e proteção dos direitos autorais.​

 

A discussão sobre direitos autorais e IA também envolve questões éticas e econômicas. A utilização de obras protegidas para treinar sistemas de IA, sem autorização ou remuneração aos autores, levanta preocupações sobre a valorização do trabalho criativo humano. Além disso, a proliferação de conteúdos gerados por IA pode impactar o mercado de trabalho de artistas e criadores, exigindo uma reflexão sobre as implicações sociais dessa tecnologia.​

Diante desse cenário, é fundamental que o Brasil avance na elaboração de uma legislação que contemple as especificidades da inteligência artificial generativa. A definição clara de critérios para a atribuição de autoria, a proteção dos direitos dos criadores e a regulamentação do uso de obras protegidas no treinamento de sistemas de IA são passos essenciais para garantir a segurança jurídica e promover um ambiente de inovação responsável.​

Pode se concluir, portanto, que a interseção entre inteligência artificial e direitos autorais representa um dos grandes desafios do direito contemporâneo. A construção de um marco legal adequado requer o envolvimento de juristas, legisladores, artistas e a sociedade em geral, visando equilibrar os avanços tecnológicos com a proteção da criatividade humana.

 


Lucca Ferri Latrofe
OAB/SP 317.969